As instituições de ensino superior começam a colher os benefícios da aprovação, no ano passado, da lei nacional que determina a inclusão das disciplinas de Filosofia e de Sociologia na grade curricular do ensino médio, após décadas fora do currículo obrigatório. O aumento da procura pelos cursos de licenciatura começa a ser notado e a expectativa é que se intensifique a médio prazo. Além disso, um outro fenômeno se desenha: alunos e ex-alunos desses cursos pressionam as instituições para a abertura de licenciaturas.
"Desde 2005 o movimento cresceu, mas o impacto daqui por diante será bem mais significativo", acredita o coordenador do curso de Filosofia da Universidade Metodista de São Paulo, Daniel Pansarelli.
Dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anisio Teixeira (Inep) confirmam a trajetória exponencial. Em 2005, o total de professores de Filosofia formados no Brasil foi de 25 contra 346 de História, por exemplo. Nos dois anos seguintes, esse número saltou para 70 e 75, respectivamente. Somados, os formandos em Sociologia e Ciências Sociais chegaram a 28 em 2005; 27 em 2006 e 29 em 2007. As estatísticas do ano passado ainda não foram fechadas.
Para se ter uma ideia da evolução, há uma década apenas dez alunos concluíam o curso de Filosofia na Universidade Metodista, na qual a média de ingressantes hoje é de 60. "Há dois anos, o número de formandos varia entre 30 e 40", diz Pansarelli. Isso porque, segundo o coordenador, alguns estados incluíram a disciplina antecipadamente à lei. Ele acredita que os reflexos serão maiores em Sociologia, embora ainda não tenha base de comparação por ter lançado o curso há menos de dois anos. "Não deu tempo de formar nenhuma turma, mas a tendência é de um mercado cada vez mais atrativo, inclusive para pós-graduação", acredita.
A demanda também não deve ficar restrita ao ensino médio. O diferencial de concorrência das escolas privadas, na maioria dos casos, era justamente a oferta de disciplinas como Sociologia e Filosofia. Agora, como toda a rede pública passou a oferecê-las, a expectativa é que os colégios particulares abram espaço para as disciplinas também no ensino fundamental. Por isso, é crescente a demanda da oferta de licenciatura para bacharéis e licenciados em outras áreas.
Para suprir a carência de todo o território nacional, a Metodista lançou há dois anos e meio cursos de licenciatura a distância. A cada semestre uma nova turma é formada, além da presencial, que neste ano está com 100% de ocupação. "Existem discussões para a criação de uma segunda turma, mas não temos estrutura física para isso neste momento", diz Pansarelli.
Na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), os alunos matriculados pressionam para que o curso de bacharelado de Ciências Sociais seja estendido também à licenciatura, conta a professora Sandra Machado Lunardi Marques, do Departamento de Fundamentos da Educação da PUC-SP. O atual currículo de Filosofia, assim como o anterior, oferece licenciatura, embora a opção da maioria seja pelo bacharelado.
Um impulso para o mercado, segundo Sandra, é a quantidade de aulas de Filosofia, Sociologia ou Psicologia existentes no ensino médio. "Dado o número insuficiente de licenciados em Filosofia e Sociologia, essas disciplinas têm sido ministradas por professores de outras áreas, como Letras e Pedagogia; portanto, existe uma carência de fato pelos licenciados em questão", diz. Ela destaca, porém, que a instituição está preparada para atender à possível demanda, pois tem professores capacitados para isso.
Na Uniban, a procura pelo curso de Filosofia, lançado em 2008, também aumentou sensivelmente este ano. A tendência é de evolução, avalia o coordenador pedagógico da instituição, Adalberto Botarelli. "Foi uma conquista significativa, mas ainda há outras fronteiras, como instituir uma jornada ampliada e, consequentemente, de melhor qualidade", diz.
A opinião de Botarelli é semelhante à de Sandra. Ambos chamam a atenção para o quadro desenhado pela falta de licenciados em Filosofia e Sociologia. Estima-se que mais de 40% dos docentes do Estado de São Paulo sejam temporários, ministrando disciplinas que não cursaram, sem ter a certeza de assumi-las no próximo ano. Daí a baixa procura desses professores por cursos de formação continuada. "Também são carreiras que nunca serão de massa pela demanda teórica", afirma Botarelli.
Mesmo assim, trata-se de um mercado em expansão seja para o licenciado, seja para o bacharel. "A esfera pública, o setor privado e o chamado terceiro setor sentem uma necessidade crescente por profissionais que saibam dar respostas aos problemas e às demandas que vêm da sociedade", acredita o diretor acadêmico da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (Fespsp), Aldo Fornazieri.
Segundo ele, a revolução tecnológica e a globalização, com suas complexas consequências, estão fazendo também com que o século XXI seja o século de uma crescente mediação de sociólogos, cientistas políticos, antropólogos e cientistas sociais. "Sem uma forte intervenção da área do conhecimento social, as sociedades caminhariam de forma crescente para disfunções e anomalias", diz.
Embora não possa mensurar esse crescimento, Fornazieri conta que na Fespsp existe procura e pressão muito forte por parte dos alunos e ex-alunos para que a instituição ofereça o curso de licenciatura. "Estamos nos momentos finais de elaboração e aprovação do projeto pedagógico que reforma o nosso curso de bacharelado em Sociologia e Política. Lançaremos um curso de dupla certificação: bacharelado e licenciatura", adianta.
A ideia é que os ingressantes do vestibular 2009/2010 já entrem nesse curso. A vantagem, segundo Fornazieri, será enorme. Além de se capacitar para lecionar, o aluno terá a certificação também no bacharelado. "O nosso aluno, como futuro professor, estará apto a proporcionar níveis importantes de compreensão da atual complexidade social ao estudante de nível médio, justamente por ser também um bacharel. E, como bacharel, estará capacitado tanto a exercer uma pedagogia deste mesmo entendimento complexo quanto para atuar como pesquisador, planejador social, gestor, assessor ou analista", observa.
A busca por esse profissional gabaritado ainda é uma dificuldade para os colégios de ensino médio na hora de preencher o quadro. "Profissionais portadores de um diploma de licenciatura em Sociologia ou Filosofia existem, mas pouquíssimos têm mostrado as habilidades necessárias para desenvolver junto aos adolescentes um curso realmente instigante", reclama o diretor de Ensino Médio do Colégio I.L.Peretz, Francisco Eduardo de Aguirra.
Rachel Cardoso, da Folha de São Paulo
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