18 de agosto de 2009

Debate com a Secretaria

Frequentemente recebo emails relembrando os famosos erros das apostilas da Secretaria da Educação, como o mapa com dois Paraguais e o “encino” com “c”. Engraçado é que se dá um destaque enorme para essas gralhas, que são apenas problemas de digitação ou de impressão, e pouco se criticam problemas bem mais graves presentes no material. Ninguém se lembra de criticar, por exemplo, a falta de uma concatenação clara dos conteúdos, o reduzido número de aulas reservado para cada unidade, a ideologia transmitida implicitamente pelos textos ou mesmo erros conceituais, como este que detectei no “jornal do aluno”. Segue-se o enunciado da questão:

Uma professora do 1º ano do Ensino Médio perguntou na avaliação:

“Em quais circunstâncias o provérbio ‘Onde há fumaça, há fogo’ pode indicar um processo de comunicação?”

A resposta de Juca foi: “A fumaça comunica, para quem a vê, a presença do fogo. Ou seja, alguém precisa ver a fumaça para que ela comunique a presença do fogo. Nesse caso, há um processo de comunicação.”

A resposta de Maiara foi: “Esse provérbio nunca poderá indicar um processo de comunicação! A fumaça não comunica nada, visto que ela não pensa. A pessoa olha a fumaça e é a pessoa que comunica: “A coisa está pegando fogo!”

A resposta de Elias foi: “Sim, porque a fumaça deseja conversar com o fogo. Temos que soltar a imaginação e pensar que a fumaça também pode ter sentimentos. Na imaginação, a fumaça comunica tudo o que sente...” Em sua opinião, qual dos alunos acertou a questão? Explique.

Segue-se abaixo meu debate com os “especialistas” da Secretaria.

16/2/2008 02h45

Aos responsáveis pela elaboração do material didático de recuperação para o Ensino Médio.

Além de erros gramaticais de pequena importância, há um erro crasso de Lingüística na “aula 5” do jornal da 1ª série (que é a mesma questão da “aula 13” da 2ª e 3ª séries). A resposta contida na revista aponta como correta a afirmativa de Juca, segundo o qual a fumaça comunica a presença do fogo. Porém qualquer lingüista sabe que a resposta correta foi a de Maiara, para quem não há comunicação nesse caso. A comunicação pressupõe a intenção comunicativa. A fumaça não é um signo (na terminologia saussereana), mas um índice. Precisamente esse exemplo é usado por Edward Lopes (Elementos de Lingüística Contemporânea, Cultrix, p.43), que é taxativo a esse respeito: “...em nenhum desses casos existe comunicação, no sentido estrito da palavra”.


04/03/08 14:55

Prezado Mauro,

“O termo comunicação tem sido objeto de numerosas definições que dependem das diferentes disciplinas relacionadas” (Dicionário de Análise do Discurso, Contexto, 2004, p. 103).

Dentro dos domínios específicos da lingüística, o professor tem razão. Mas, como nos diz o mesmo dicionário, “filiada à teoria da informação, continua a desenvolver-se uma concepção do tudo é comunicável, dado que o que é considerado é apenas o fenômeno de transmissão de uma mensagem de uma fonte A para um receptor B” (p. 105).

De qualquer forma, achamos importante rever a resposta dada na Revista para uma próxima edição, abrindo a possibilidade para o desenvolvimento de uma resposta mais completa.

Atenciosamente,

Equipe de suporte - São Paulo faz escola


5/3/08 04h25

Senhores, agradeço pela forma atenciosa com que me responderam, e embora eu saiba que não é este o melhor espaço para entrar em debates técnicos, sinto-me tentado a insistir ainda uma vez na defesa do meu ponto de vista. Admito desconhecer o referido dicionário, e não discordo absolutamente da sua redação, pelo menos no que concerne ao trecho transcrito pelos Senhores. Ocorre que não vejo de maneira alguma como esse trecho pode corroborar a tese sustentada no V. material didático. O trecho afirma que “tudo é comunicável”, do que não discordo, em tese; mas não afirma que tudo pode comunicar, o que é bem diferente, convenhamos. E o corolário é que “o que é considerado é apenas o fenômeno de transmissão de uma mensagem de uma fonte A para um receptor B”, mas isso não implica de maneira alguma a possibilidade da ausência de uma intenção comunicativa nessa fonte, independentemente de como possamos definir essa intenção (não entrarei em detalhes). Particularmente, comentei com meus alunos que a fumaça até poderia transmitir uma mensagem se houvesse alguém tentando se comunicar com sinais de fumaça, ou ter feito uma fogueira para ser localizado, por exemplo, mas não no caso expresso no provérbio. Expliquei a eles o esquema de comunicação de Jakobson, e comentei que a fumaça, nesse outro caso, seria o canal, mas nunca o emissor de uma mensagem (e que tampouco o fogo poderia sê-lo). Tive o cuidado de não revelar que a resposta do material é outra, para não desaboná-lo perante eles.

Senhores, não sou leigo na Teoria da Informação e conheço até os rudimentos da Cibernética, mas não vejo porque sair do âmbito da Lingüística, se a disciplina por mim lecionada é Língua Portuguesa. Se eu estiver errado, peço perdão aos Senhores. Mas rasgo o meu diploma.

Abraço cordial.


26/03/08 16:54

Prezado(a) Senhor(a) Mauro

Em atenção ao seu e-mail, agradecemos a participação e informamos que ele foi encaminhado ao setor competente da CENP - Coordenadoria de Estudos e Normas Pedagógicas, para conhecimento e manifestação.

Pedimos a gentileza de aguardar o retorno.

Atenciosamente

Central de Atendimento


Estou aguardando até hoje, pois o “setor competente da CENP” achou melhor não se manifestar.

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