Por Luísa Carla do Amaral Teixeira Nehme
Na última segunda-feira, dia 22 de agosto de 2011, amanheci completamente sem voz: afônica. Fui para a escola. Dei três tempos de aulas sem pronunciar palavra alguma. Tudo era escrito, em português e em inglês (eu sou professora de inglês, lembram?), e os que não sabiam ler eram ajudados pelos que sabiam. Após os três tempos em sala de aula, cumpri, como de costume, os dois tempos de horário complementar (horário usado para planejamento, por exemplo), já na secretaria da escola. Continuava afônica, e um pouco mais desgastada. Saí da primeira escola, e fui até a segunda escola, onde complemento meu horário. Tomei um pedaço de papel e escrevi (lembram que estava afônica?) que iria ao médico devido às condições nas quais me apresentava. A diretora, imediatamente, sugeriu que eu pegasse um BIM (é um documento oficial que os professores precisam levar a um posto de saúde, por exemplo, para ser preenchido por um médico, também funcionário público, depois que eu já estivesse de posse do diagnóstico e atestado do meu otorrinolaringologista). Depois disso, ela pensou melhor, e sugeriu que eu poderia não pedir licença do trabalho, e sim, passar um "filminho" em inglês para as crianças. Desta forma, eu não precisaria falar. Deus, na sua infinita sabedoria, me manteve afônica naquele momento, evitando, assim, que eu expressasse minhas emoções de maneira clara e bastante objetiva.
Ignorei as sugestões anteriores, faltei na parte da tarde e me dirigi ao consultório do meu médico, quando fui por ele diagnosticada: laringite e faringite. Uma caixa de antibióticos e mais três outros medicamentos foram indicados, além de dez dias de repouso. Dez?! Como eu poderia parar de trabalhar por dez dias?! Pedi que ele fizesse o atestado solicitando afastamento por cinco dias.
Na terça-feira, dia 23 de agosto, pela manhã, fui à minha escola para pedir à diretora que fizesse o BIM (lembram-se dele?). Saí de lá, e procurei a clínica Rede Rio de Medicina, conveniada ao município do Rio de Janeiro, situada à Rua Aracaju, 25, em Campo Grande, Zona Oeste do Rio, para que um médico de lá transcrevesse para o tal BIM aquilo que o meu médico havia diagnosticado no dia anterior. Sim, o diagnóstico do meu médico parece não ter validade junto à prefeitura do meu município. Lá chegando, fui informada de que não poderia ser atendida naquele dia porque o sistema estava com problemas e tudo estava sendo feito manualmente. Saí. Procurei o posto de saúde Belisário Pena, também em Campo Grande, onde uma funcionária simpaticíssima me informou que eu não poderia ser atendida porque já estava próximo de dar quatro horas da tarde. Sim, quatro horas da tarde e ninguém poderia se dar ao trabalho de transcrever o que constava no atestado fornecido pelo meu médico. Voltei para casa. Estava cansada e continuava sem voz.
Quarta-feira, dia 24 de agosto. Chego, novamente, à Rede Rio de Medicina, na mesma Rua Aracaju, 25, em Campo Grande, às 7h40min. Entrego os documentos e, às 7h50min sou informada pela recepcionista que seria a primeira cliente a ser atendida pela médica, e que o atendimento começaria a partir de 8h. Fiquei sentada num pátio coberto que serve como sala de espera, assistindo ao Bom Dia Brasil. Às 8h40min, voltei à recepção para perguntar se eu estava aguardando no local errado. Outra recepcionista me respondeu que a médica acabara de chegar, e que eu seria chamada à sala 3 ou 5. Começa o programa Mais Você. Cansada de ouvir nomes sendo chamados, voltei à recepção às 9h15min. Desta vez, me informaram que eu seria a primeira paciente a ser atendida depois das prioridades, os pacientes que estiveram na clínica no dia anterior e não puderam ser atendidos. Mas eu também estive na clínica no dia anterior, ora pois! Às 9h43min, finalmente, a médica, que estava dentro de uma das salas de um longo corredor, gritou meu nome. Entrei. Simpática, ela me cumprimentou. Perguntou como eu estava, e eu respondi que estava mal (será que alguém procura um lugar daqueles quando está se sentindo bem?!). Ela preencheu meu BIM, perguntou o que o meu médico havia diagnosticado, me deu três dias de afastamento, assinou o documento, e eu voltei para a minha casa, onde cheguei por volta das 11h.
O que me pergunto até agora é: o que eu fui fazer no consultório daquela médica? Ela nem ao menos olhou a minha garganta! Óbvio que não! O meu médico já havia feito o trabalho. Durante esses dias da saga que acabei de descrever, eu falei mais do que teria falado em sala de aula. Minha garganta dói muito! Não fiz repouso, e o meu último dia de licença é hoje, dia 24 de agosto. Será que eu estou sendo muito exigente, muito crítica? Será que mais vale uma assinatura de uma médica que trabalha numa clínica conveniada ao município do Rio de Janeiro e que por nenhum momento me avaliou, do que a do meu médico, que avaliou minha garganta e meus ouvidos, diagnosticou as patologias, medicou e me sugeriu dez dias de afastamento? Será que a diretora que sugeriu que eu passasse um "filminho" em inglês para as turmas, e não abrisse a boca, no final das contas, não estava certa? Será que eu estou trabalhando no lugar certo? Será que as pessoas sabem que o sistema é assim? Será que eu deveria escrever isso para alguém? Quantos me apoiariam? Quantos me crucificariam? Será que eu devo entrar no ritmo dos que fingem que ensinam enquanto os alunos fingem que aprendem? Será que depois de passar num concurso público, com prova de conhecimentos específicos, prova de legislação em inglês, passar por uma prova oral elaborada pelos examinadores da Universidade de Cambridge com nota máxima, de ter duas graduações, várias especializações, alguns bons anos de magistério, eu ainda sou tão ignorante a ponto de ser jogada de um lado para outro para obter uma simples assinatura que comprove meu estado de saúde junto à Secretaria de Educação do Município do Rio de Janeiro? Que país é esse?, perguntaria o saudoso Renato Russo.
Publicado n' O Globo em 26/08/2011
2 comentários:
Infelizmente o poder cega os diretores , e os professores que estão em sala de aula é que sofrem com as consequências.Estou farto de ter que lidar com essas situações. O Diretor se tranca em sua sala e dane-se os professores e alunos.Total descaso.
Enquanto existir nepotismo no governo e acertos partidários, corrupção,onde só o crime parece organizado,não haverá avanço. Muito discurso e pouca ação.
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