Faz doze anos que comecei a atuar naquilo que se conhece
como segmento social – terceiro setor, políticas e projetos sociais. Nessa área
atuei em projetos e políticas em educação – jovens, adultos e presos, formação
de educadores e ensino –, desenvolvimento local – intermediação de mão de obra
e negócios, alternativas de geração de trabalho e renda – segurança pública –
pesquisas e levantamento de dados – e organização comunitária – conselhos
gestores e de segurança. Todas essas experiências aconteceram nas maiores
cidades dos estados de São Paulo e do Rio de Janeiro – capital, região
metropolitana, interior e litoral. Todas as experiências de governo foram em
administrações municipais petistas – pelo Estado apenas em São Paulo no governo
tucano.
Comecei como docente de escola pública pelo Estado no ensino médio – professor
eventual. Do ponto de vista objetivo nada mudou – o governo desde 95 continua
social-democrata. Mudaram os governadores, secretários de educação e os
estudantes. Nas escolas, do ponto de vista qualitativo, se algo mudou foi para
pior, sem dúvida! Os exames de avaliação que servem para medir a qualidade do
ensino desqualificam esse sistema educacional. Os exames são métodos que
estabelecem variáveis para aferir informações qualitativas sobre esse modelo.
Eles, portanto, são arbitrários e parciais, no entanto, isso não diminui a
responsabilidade estatal com relação à questão educacional e menos ainda reduz
o problema, pelo contrário. Penso que se ampliássemos a análise, vislumbraríamos
o quanto estamos longe do ideal há décadas estabelecido. A quem interessa
ampliar a análise? A ninguém. No embate entre o sindicato dos professores e
Estado a sociedade perde. Aliás, os “professores” não são todos os que entram
em sala de aula. Existe um imbróglio funcional que serve há uma minoria de
privilegiados e o Estado – convenientemente todos os que são funcionários do
Estado, nem todos do governo, eis a única diferença. À margem dessa minoria
existe uma variedade de profissionais da educação excluídos do sistema. Estão
na base da pirâmide pública do sistema educacional. Conforme estejam à margem
do sistema, todos são alheios as suas demandas. No âmbito do Estado –
Secretaria, Diretorias, Sindicato, Escolas – são denominados por OFA e/ou Eventuais.
Do ponto de vista objetivo situam-se no limbo jurídico institucional, alguma
coisa oscilando entre o apoio e o estorvo, de acordo com as conveniências deste
ou daquele grupo. Tolerado dentro da escola, nunca incorporado, não pode ser
colocado no mesmo nível que os “professores” – por todos aqueles que compõem o
universo do ambiente escolar.
Relevante como em todas as instituições, a despeito das regras formais,
predominam as informais e/ou veladas que ditam as práticas cotidianas e
estabelecem hierarquias, privilégios e status. Fui professor – OFA e Eventual – no ensino médio público em São Paulo nos anos de 1999, 2002 e 2003. Acrescento
que aquela época a situação já era das piores. Historicamente, a educação nunca
foi prioridade no Brasil. Embora tenham poucos
efeitos práticos, os resultados do ensino médio público brasileiro nos exames
de avaliação em comparação com diversos outros países – exame de Pisa 2009 – dizem muito sobre o valor que o Estado e a sociedade dispensam a ela – no item
leitura, por exemplo, os nossos estudantes terminaram na 53ª posição entre 65 países! É
sintomático que em quase todos os quesitos ocupamos as últimas posições no
ranking dos piores em educação. Fazemos parte ainda do seleto grupo de países
com mais de DEZ MILHÕES (14,6 pelo Censo de 2010) de analfabetos – ao lado de Etiópia,
Nigéria, Índia, China. Estatísticas, indicadores, estudos, políticas e milhões
em investimentos à parte, eis os argumentos comuns entre todos os envolvidos: “A
universalização da escola pública é uma realidade e o número de analfabetos
diminuiu significativamente nas últimas décadas”; “Nas avaliações
internacionais a qualidade do ensino no Brasil vem melhorando gradativamente e
espera-se que em 2020 estejamos na média dos países desenvolvidos”. Que se pode
inferir desses argumentos, a despeito de tantos planos, políticas, programas,
projetos, instituições, especialistas e investimentos? Antes de tudo, a
Constituição Cidadã de 1988, que é a lei máxima do país, não estabelece o
direito fundamental a educação e as atribuições, competências e
responsabilidades sobre ela? A qualidade de um serviço essencial como a
educação não é obrigação estabelecida pela mesma Constituição e dever do
Estado?
O fato é que as metas mais significativas estabelecidas pelo PNE – 2001/2010 –
ficaram escandalosamente longe do seu cumprimento – quadruplicar a oferta de
educação entre jovens e adultos, diminuir a evasão escolar, ERRADICAR O
ANALFABETISMO e elevar para 7% do PIB os investimentos em educação. Se ampliarmos,
entretanto, as variáveis da análise, como por exemplo, considerando dados
qualitativos, um recorte racial ou ainda por regiões, sem dúvida que a
situação seria considerada hedionda! Melhor não! Aliás, simples, basta que se mudem os prazos – 2020, 2030, 2150! Alguém se dispõe a marchar? Melhor
comprar botas novas! Para piorar, a presidente (a?) Dilma ainda veta o
Kit-Anti-Homofobia preparado pela Secretaria e Comissão de Direitos Humanos,
inestimável contribuição à combalida educação nacional e digna de todos aqueles
que tombaram pela causa dos Direitos Humanos e Educação no Brasil – Anysio,
Freire, Graciliano, Florestan, Darcy!
Para finalizar, melhor retomar o assunto e pontuar algumas questões pouco
abordadas. Nos três anos em que atuei no ensino público médio – Estado – passei
por quatro escolas – todas em SP. Nas três em que fui Eventual conheci o
desprezo e a indiferença cotidiana reservadas a esse profissional. Ocorre uma
espécie de “bullying” dos professores e funcionários das escolas para com os
docentes Eventuais. Essa hostilidade interfere no desempenho do docente
Eventual, limitando as suas condições de trabalho e o acesso a atividade,
espaços e recursos. Com efeito, atrapalha a sua relação com os alunos, posto
que reproduzem esse comportamento verificado no interior do corpo docente,
direção, coordenação e demais funcionários – aliás, como criar vínculos com os
alunos se se é eventual? Esse é o cotidiano das escolas públicas no Estado de
São Paulo, ignorado pela intelligentsia da educação e os seus mirabolantes e
infalíveis planos, métodos, teorias e estratégias. Os OFAs ou Temporários
também são pouco prestigiados pelos “professores” e “funcionários” e nem dispõem das mesmas prerrogativas, benefícios, incentivos, direitos, privilégios, afinal,
não passa de um intruso – ou menos útil ou inconveniente na casa alheia.
Nenhuma estratégia interfere nessa dinâmica cotidiana, por isso, todas estão condenadas inexoravelmente ao fracasso, são incapazes de intervirem para além da superfície dessa estrutura da realidade do ambiente escolar. O problema do fracasso escolar tem muitas facetas. Na verdade, diria que o problema do fracasso da escola no país resulta da má vontade política com a educação. Ela pode ser apreendida pelo baixo nível generalizado – tanto nas discussões para formulação de políticas e diretrizes para educação no âmbito da política e sociedade, quanto nos sistemas de formação do ensino superior público e privado. Essa constatação pode ser verificada in loco nas escolas e pelos seus resultados pouco ortodoxos nas diversas avaliações, pesquisas e estudos. Grosso modo, de um lado, as discussões no âmbito da política são conduzidas por quem nunca esteve em uma sala de aulas ou ela não faz ou nunca fez parte da sua rotina – sejam políticos ou “especialistas”. Assim, acaba-se optando por estratégias infalíveis na teoria, soluções mágicas, prontas e mirabolantes, pirotecnias e/ou perfumaria. Nada mais do que a histórica espetacularização da política – “ô loco meu!”. De outro, o problema está no encontro que acontece na saída do curso de formação e no ingresso ao mundo da escola – o primeiro demasiadamente distante da realidade escolar e o outro negligente e incapaz de proceder a uma “seleção” de candidatos ao seu ingresso. Essas constatações aliadas ao histórico desprezo pela educação na nossa sociedade bastam para entendermos esse estado de coisas. Tradicionalmente sociedade e Estado, de braços dados, negligenciam a educação fechando o círculo em que reafirmam o seu desprezo por ela. Começando pela legislação precária, ineficaz, insustentável e distante da realidade escolar e da capacidade pública, passando para a formação e seleção ao ingresso no ensino, ela se manifesta de várias maneiras. Pode-se constatá-la tanto pela ausência e insuficiente fiscalização dos cursos de formação, quanto pela sua omissão ou desleixo deliberados. Aliás, quando se negligenciam os critérios para o ingresso às funções públicas mais primordiais para o funcionamento da sociedade e do Estado, como esperar algum rigor quando se trata de outras funções e/ou ofícios menos prestigiados, embora não menos importantes? Nessa década de atuação na educação pública, privada e no terceiro setor, apenas em um processo seletivo tive que, além de comprovar meus conhecimentos teóricos por meio de documentos e testes, demonstrá-los através de aulas práticas. Do ponto de vista formal, estabelece-se que a análise de documentos ou atestados por si só comprovam conhecimentos, capacidades ou as competências necessárias para o exercício docente. Nesse procedimento excluem-se compulsoriamente todos os “bacharéis”. Na prática, estabelece-se arbitrariamente, conforme os papéis atestem, que efetivamente uns possuem conhecimentos e outros não, dispensando-se convenientemente à sua verificação. Percebe-se que tal procedimento se justifica pela incapacidade de fazê-la, aliada à negligência. Embora não explique ou justifique por si só a falência da educação brasileira na atualidade, diz muito sobre a péssima qualidade dos docentes que ingressam no sistema de ensino, sobretudo na rede pública, precária, negligente e omissa por vocação e empenho.
Nenhuma estratégia interfere nessa dinâmica cotidiana, por isso, todas estão condenadas inexoravelmente ao fracasso, são incapazes de intervirem para além da superfície dessa estrutura da realidade do ambiente escolar. O problema do fracasso escolar tem muitas facetas. Na verdade, diria que o problema do fracasso da escola no país resulta da má vontade política com a educação. Ela pode ser apreendida pelo baixo nível generalizado – tanto nas discussões para formulação de políticas e diretrizes para educação no âmbito da política e sociedade, quanto nos sistemas de formação do ensino superior público e privado. Essa constatação pode ser verificada in loco nas escolas e pelos seus resultados pouco ortodoxos nas diversas avaliações, pesquisas e estudos. Grosso modo, de um lado, as discussões no âmbito da política são conduzidas por quem nunca esteve em uma sala de aulas ou ela não faz ou nunca fez parte da sua rotina – sejam políticos ou “especialistas”. Assim, acaba-se optando por estratégias infalíveis na teoria, soluções mágicas, prontas e mirabolantes, pirotecnias e/ou perfumaria. Nada mais do que a histórica espetacularização da política – “ô loco meu!”. De outro, o problema está no encontro que acontece na saída do curso de formação e no ingresso ao mundo da escola – o primeiro demasiadamente distante da realidade escolar e o outro negligente e incapaz de proceder a uma “seleção” de candidatos ao seu ingresso. Essas constatações aliadas ao histórico desprezo pela educação na nossa sociedade bastam para entendermos esse estado de coisas. Tradicionalmente sociedade e Estado, de braços dados, negligenciam a educação fechando o círculo em que reafirmam o seu desprezo por ela. Começando pela legislação precária, ineficaz, insustentável e distante da realidade escolar e da capacidade pública, passando para a formação e seleção ao ingresso no ensino, ela se manifesta de várias maneiras. Pode-se constatá-la tanto pela ausência e insuficiente fiscalização dos cursos de formação, quanto pela sua omissão ou desleixo deliberados. Aliás, quando se negligenciam os critérios para o ingresso às funções públicas mais primordiais para o funcionamento da sociedade e do Estado, como esperar algum rigor quando se trata de outras funções e/ou ofícios menos prestigiados, embora não menos importantes? Nessa década de atuação na educação pública, privada e no terceiro setor, apenas em um processo seletivo tive que, além de comprovar meus conhecimentos teóricos por meio de documentos e testes, demonstrá-los através de aulas práticas. Do ponto de vista formal, estabelece-se que a análise de documentos ou atestados por si só comprovam conhecimentos, capacidades ou as competências necessárias para o exercício docente. Nesse procedimento excluem-se compulsoriamente todos os “bacharéis”. Na prática, estabelece-se arbitrariamente, conforme os papéis atestem, que efetivamente uns possuem conhecimentos e outros não, dispensando-se convenientemente à sua verificação. Percebe-se que tal procedimento se justifica pela incapacidade de fazê-la, aliada à negligência. Embora não explique ou justifique por si só a falência da educação brasileira na atualidade, diz muito sobre a péssima qualidade dos docentes que ingressam no sistema de ensino, sobretudo na rede pública, precária, negligente e omissa por vocação e empenho.
Nessa década de atuação, conheci diversos educadores sociais de várias
formações, sobretudo, pedagogos, assistentes sociais, psicólogos, no terceiro
setor e na iniciativa privada, que pouco ou nada sabiam sobre história brasileira
e menos ainda noções sobre conceitos ou teorias da esfera político-social.
Nesse nível de humanidades e humanismo, como é possível falar sobre formação
para a democracia, cidadania, direitos, sustentabilidade, sociedade ou até o
mercado de trabalho? Emblemático foi o caso dos “educadores sociais” – pedagogos licenciados – de uma ONG em que trabalhei que não sabiam do que se
tratava o “feriado” de Nove de Julho. As psicólogas e assistentes sociais do presídio em que trabalhei também não, embora conduzissem “oficinas de cidadania” para os
reeducandos entre uma “dinâmica” e outra que imitava provas do “Big Brother” –
as psicólogas também ignoravam Reich e Fromm. Conheci pedagogos que
desconheciam Emilia Ferreiro e Freinet. Uma estudante de letras que nunca havia
ouvido falar em Borges e jamais lido Lima Barreto e Shakespeare. No SESI havia
um historiador que pensava que Prestes “o velho” e o Prestes do “O Estado de
São Paulo” fossem a mesma pessoa e, tinha convicção que o capitalismo era um
regime político!
Apenas uma das escolas públicas em que atuei tinha biblioteca e bibliotecário.
Em outra havia uma sala trancada com livros, como a sala de informática – nada
mais que depósitos de livros e computadores. Ambas as chaves ficavam no molho
da “carcereira”, digo, inspetora de alunos. Se não estivesse presente o bibliotecário ou o instrutor de informática, o acesso a elas era deliberadamente negado –
essa era a justificativa da “proprietária”, digo, diretora. Havia uma espécie
de prazer mal disfarçado nessa negação – tipo de sadismo recalcado. Entre os
funcionários subalternos da escola, proibir ou controlar o acesso a
determinados lugares era uma forma de expressar algum poder, assim a quantidade
de chaves no molho simbolizava o tamanho do poder. Havia os que controlavam o
acesso a determinadas salas, os que controlavam os registros, os que
controlavam os materiais do almoxarifado – giz, apagadores, canetas, etc –
estafetas de todo tipo e esboços de burocratas medíocres indiferentes e alheios
a educação por ignorância e/ou comodismo. Resignados, seguem dispostos a
impedir, constranger, limitar, abortar, procrastinar e sabotar. Embora a
educação seja regida pela Constituição Federal, pela LDB e pelo ECA, apenas
conhecem e fazem conhecer o artigo 331 do Código Penal. Essa é a realidade
cotidiana que os “especialistas” e políticos ignoram, não se encaixa nas
teorias e/ou projetos, nem as leis. É só papel e, conforme Faoro já dizia há
pouco mais de 50 anos, no Brasil elas fazem “o caminho inverso”, “do papel para
a realidade”, até hoje!
Fonte: Pedra no Caminho
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