Os vinte
centavos de aumento nas tarifas de ônibus da capital paulista são emblemáticos.
Emblemáticos porque a reivindicação mais imediata do Movimento Passe Livre é a
revogação do aumento (o que aparentemente já foi conseguido), ou seja, o estopim
da revolta foi apenas um agravamento pontual de uma situação que já se estende
por muito tempo. Não foi, no seu primeiro momento, uma reivindicação de
melhorias no transporte público; era apenas a rejeição de uma piora. Claro que o
movimento cresceu, em grande parte graças à truculência do Estado, e agora se
volta para questões que já são crônicas no país: a corrupção, a impunidade, a
desigualdade social, o sucateamento da saúde e do ensino público, a falta investimentos
em segurança e em infraestrutura. Mas, se observarmos bem, as questões mais
imediatas e pontuais são apenas repúdios das mais recentes pioras: as
tentativas do legislativo de se impor ao poder judiciário e ao Ministério
Público, os gastos exorbitantes com os preparativos para os eventos esportivos
dos próximos anos, os recentes atritos com povos indígenas, as agressões ao
meio ambiente, as afrontas ao estado laico de direito. Sim, não é de hoje que essas
coisas acontecem, mas o caso é que elas vêm se agravando. De repente, temos uma
imensa usina hidrelétrica sendo construída apesar dos apelos populares; de
repente, temos ruralistas tomando a comissão de meio ambiente; de repente, um
misógino homofóbico é presidente da comissão de minorias; de repente, dois
condenados pelo Supremo tomam a comissão de justiça; de repente, outro dos
condenados assume a presidência do Senado; de repente temos as PEC 33 e 37; de
repente, temos um estatuto do nascituro; e não mais que de repente, aproveitando
o súbito esvaziamento causado pela própria turbulência do momento, aprova-se o
projeto da “cura gay”.
A razão de
publicar isso neste espaço é que, durante os oito anos que lecionei na rede
estadual paulista, assisti exatamente à mesma coisa. Nunca vi nem uma atitude
sequer do governo do estado em prol da educação, mas era raro o mês em que não
recebíamos a notícia de que alguma coisa iria piorar, que algum direito historicamente adquirido iria ser usurpado, que alguma novidade pedagógica iria ser imposta à categoria sem discussão prévia. Quem acompanha as
postagens deste blog sabe de um pouco do que estou falando. O único avanço de que
sou capaz de me recordar foi a aprovação da Lei do Piso pelo governo federal, à
qual, infelizmente, o estado de São Paulo não aderiu até hoje.
Chega a ser
engraçado que até conservadores estejam apoiando as recentes manifestações. Talvez queiram
apenas descaracterizá-las, ou se apropriar delas em benefício próprio. De qualquer
maneira, parece que as reivindicações mais imediatas do movimento não são tanto
por melhorias: não piorando, já está bom, pelo menos para começar. É sensato, diante do quadro que se
nos apresenta, que se mantenha esse foco. Esperamos apenas que o movimento
tenha fôlego para levar adiante as reformas de que o país carece.
Com esses votos, deixo minhas congratulações a todos os que estão se mobilizando. Vida longa e próspera!
2 comentários:
Maravilhoso texto, aqui contem tudo que eu gostaria de dizer, mas não achava as palavras certa. Você disse tudo. Adorei! copiei/guardei e compartilhei.
À vontade, Águia. Obrigado!
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