Dia 13 de Agosto é dia de mobilização pelas Universidades
Públicas
No El País, Gregório Grisa fala sobre o projeto “Future-se” (ou “Fature-se”, como já se diz pelos corredores)
Depois de um semestre marcado por polêmicas e mudança de
ministro, a pasta da Educação apresentou um projeto relativo às instituições a
ela ligada. Elaboro aqui alguns questionamentos sobre a minuta
do projeto de lei que cria o Programa Institutos e Universidades
Empreendedoras e Inovadoras — FUTURE-SE. O objetivo principal do programa é o
“fortalecimento da autonomia administrativa e financeira das Instituições
Federais de Ensino Superior — IFES”. A participação no programa pressupõe a
contratação de Organização Social (OS) para fazer a gestão de atividades fins
das IFES, como ensino, pesquisa e inovação. Ao aderir, as IFES teriam de
cumprir um conjunto de exigências, entre elas, adotar programa de controle
interno e auditoria externa.
Mas as universidades e institutos federais já contam com
mecanismos de controle interno e passam por auditorias externas de órgãos
ligados a União. Por que deveriam ser controladas e auditadas por mais um ente,
em tese, a serviço também da União?
As IFES já realizam projetos e
parcerias ligadas às suas atividades fim através das Fundações de Apoio. A
relação entre o Ministério
da Educação (MEC) e as IFES é direta. Por que criar e contratar
entidades intermediárias? Quais são as Organizações Sociais com histórico de
gestão consolidado no Brasil na área acadêmica, científica e educacional? Como
seriam compostas essas Organizações Sociais e quais os critérios para sua
aprovação pelo Ministério da Educação? A instituição de ensino também aprovaria
a OS? Estamos falando de uma OS para cada IFES ou de uma ou algumas para toda a
rede federal?
Não há limites legais previstos para a ação da OS no projeto,
nada garante que ela mesma não poderá ir substituindo, com o tempo, as IFES em
suas atividades-fim, na gestão de pessoas, na compra de materiais, equipamentos
e insumos. A Seção III do Capítulo I da proposta trata das competências da OS,
quase todas podem ser atribuídas às Fundações de Apoio existentes. Aliás, que
papel teriam essas fundações com o advento desse programa? Elas ficariam
obsoletas mesmo com capacidade instalada, servidores específicos e largo
histórico de prestação de serviços?
Há várias passagens vagas e confusas no texto divulgado
(baixa qualidade técnica de texto legislativo). Nessa mesma parte das
atribuições da OS, por exemplo, consta: “V — exercer outras atividades
inerentes às suas finalidades”. O que se depreende disso? No artigo 5° está
previsto que a OS irá fiscalizar as receitas e despesas das IFES. O governo e o
Tribunal de Contas já não fazem isso? No que a duplicação de atividade de
fiscalização contribui para o “fortalecimento da autonomia administrativa e
financeira das Instituições Federais de Ensino Superior — IFES”?
O programa “Future-se” prevê repasses de recursos
orçamentários para as Organizações Sociais, bem como permissão de uso de bens
públicos por elas. Porque não aumentar a autonomia das próprias IFES? Há
legislação vigente que cobriria esse repasse de recursos e de bens para as
autarquias, isso não seria uma medida mais eficaz do que terceirizar?
A possibilidade de doação de imóveis por parte do MEC para a
OS, o que autorizaria uma alienação futura pela OS, preocupa. Nada no documento
indica bases seguras para futuras alienações ou mesmo define critérios para
essas doações. Mais razoável seria desburocratizar o uso e a alienação dos
imóveis pelas próprias IFES.
Prevê-se que os servidores podem participar de atividades da
OS, “desde que cumprida a carga horária de aulas”. A sala de aula é a única
atividade do docente? O trabalho administrativo, de pesquisa, de extensão
(atividade fundamental das IFES não mencionada no projeto) e o de ensino fora
de sala parece não ter sido considerado. O servidor poderá se negar a
participar?
Há vários pontos do programa que já estão previstos na Lei
13.243/2016 (Novo Marco Legal de Ciência, Tecnologia e Inovação). São eles: a
forma de prestação de contas simplificada, que privilegie os resultados
obtidos; prestação de serviços de apoio por meio de centros de serviços
compartilhados; os itens previstos na Seção II do Capítulo II “Do
empreendedorismo”. Por que não trabalhar pela efetivação do que está previsto
nessa legislação? Ou então aprimorá-la?
Sobre o “Fundo da Autonomia Financeira das IFES”. Por que
não autorizar às IFES a criarem fundos com essas receitas, geridos por suas
Fundações de Apoio, por exemplo? Muitas das receitas ali previstas já podem ser
geridas dessa forma pelas IFES. Essas ações são cobertas pela Lei 10.973/2004
(A Lei de Inovação Tecnológica).
Não está claro como será o tratamento das IFES que não
aderirem ao programa. Nesses moldes, a tendência é de que os reitores não
aceitem renunciar à gestão de suas instituições em nome de um projeto incerto.
Muitas definições importantes ficam para posterior regulamentação. Por exemplo,
o Comitê Gestor, responsável por acompanhar e supervisionar o “Future-se”, terá
sua composição e seu funcionamento definidos em regulamento.
O formato do programa reforça a interpretação de que o atual
governo “desconfia”
das universidades, de que seu objetivo implícito é reduzir a autonomia e
retirar o poder político dos acadêmicos, já que tais instituições seriam
dominadas pelo que o ministro e o presidente da República classificam
como “marxismo cultural”.
O gasto que mais cresce e comprime o orçamento no que tange
as IFES é o obrigatório, pagamento de pessoal e aposentadorias. O orçamento
discricionário, que envolve o funcionamento diário (custeio) e o investimento
de capital, já é insuficiente diante dos cortes realizados no primeiro semestre
deste ano. O projeto ora analisado não apresenta alternativas para a questão
dos gastos obrigatórios. Ele traz ideias já contempladas na legislação para ampliação
de arrecadação específica (que tende a ser pontual, sazonal e residual em
muitos casos) e ainda retira das IFES a titularidade para gerir esses recursos
ao propor os contratos compulsórios com Organizações Sociais.
A reforma da previdência e o fato dos novos servidores
públicos (ingresso pós 2013) terem seu regime vinculado ao teto do INSS trazem
boas notícias para as contas públicas no médio e longo prazo. Uma reforma
administrativa também é importante para atacar os gastos obrigatórios. Sobre as
despesas discricionárias, a prioridade deveria ser a garantia do orçamento
público para que as IFES cumpram suas funções previstas em lei. Vivemos uma
crise aguda e lenta recuperação da atividade econômica nos últimos anos, e a
arrecadação espelha esse cenário. Remodelar o sistema de ensino superior no
Brasil (que já é majoritariamente privado) em tal conjuntura não parece
oportuno.
Do ponto de vista político, o projeto é marcado por duas
características presentes desde o início do ano na gestão do MEC: a
improvisação e a falta de diálogo. Identifica-se a improvisação no
desconhecimento, por parte de quem elaborou o projeto, sobre aspectos legais e
detalhes do funcionamento do sistema federal de ensino superior. A falta de
diálogo fica evidente na medida em que reitores, comunidade acadêmica,
entidades representativas dos docentes e técnicos administrativos nunca foram
consultadas(os) para participar da elaboração do programa, o que denota uma
condução unilateral do ministério da Educação.
É necessário que as IFES aprimorem a captação de recursos
próprios e ampliem as parcerias com diferentes setores da sociedade civil. É
fundamental desburocratizar a execução de recursos de projetos de pesquisa e
qualificar a operacionalidade das Fundações de Apoio. Ajustes legais e
programas de metas poderiam fomentar essas mudanças desejadas sem que as
instituições fossem descaracterizadas, sem que servidores e gestores públicos
tivessem seu fazer desprestigiado.
Não parece haver justificativa técnica para a criação de
Organizações Sociais e nem para a contratação por parte das IFES. Nada indica
que o custeio das IFES possa vir de recursos oriundos de parcerias, elas são
sempre bem-vindas em caráter complementar, mas não faz parte da cultura
empresarial brasileira a priorização do investimento em ciência, inovação e
educação. A manutenção das instituições públicas que produzem ciência básica
deve ser feita majoritariamente com recursos públicos, como ocorre nos países
desenvolvidos.
Gregório Grisa é professor do Instituto Federal do Rio
Grande do Sul. Doutor e mestre em educação e pós-doutor em sociologia pela
UFRGS. Pesquisador ligado ao grupo de pesquisa Educação, Experiências Docentes
e Direitos Humanos do IFRS, ao grupo Inovação e Avaliação na Universidade da
UFRGS (Inovaval) e ao Grupo de Estudos sobre Universidade da UFRGS (GEU).
Fonte: El País
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