30 de agosto de 2008

Reflexão sobre o Idesp e o Saresp - bem-vindos ao País das Maravilhas!


No último dia 27 todos os professores da rede estadual foram convocados a comparecer em suas sedes a fim de refletir sobre a nova política de metas imposta pela Secretaria da Educação do Estado de São Paulo. A partir do próximo ano os professores receberão suas bonificações em função de sua assiduidade e do desempenho de sua escola em relação às metas calculadas com base no Idesp.
Para infelicidade geral da nação, a política educacional em nosso país é muito mais política que educacional. A política estadual tucana e a federal petista se revestem ambas de caráter tecnicista, mas a divergência gritante entre elas mostra que pelo menos uma das duas tem de estar errada. Quando a república era presidida por tucanos, aprovou-se a lei que permitia, mas não obrigava, a implementação do Sistema de Ciclos de Aprendizagem, mais conhecido como Progressão Continuada, ideia que foi imediatamente abraçada pelos Estados de São Paulo e Minas Gerais, também governados por aquelas aves. E não o fizeram por uma razão pedagógica, mas sim administrativa: é patente que o aumento do fluxo de alunos diminui os custos da educação. Mas tudo leva a crer que a relação custo/benefício não tenha sido bem calculada, ou sequer levada em conta.
Depois que a esquerda light tomou o poder federal, a Secretaria da Educação do Estado de São Paulo vem sistematicamente se contrapondo a todas as políticas do Ministério. Recorreu até onde pôde para não aderir à implantação da Sociologia na sua rede, e essa implantação, prevista para o próximo ano, ainda é bastante duvidosa. Sustenta com unhas e dentes que o número de alunos por sala não tem relação direta com a qualidade do aprendizado, enquanto o MEC fecha cursos de Direito pelo país sob a alegação de que suas salas superlotadas comprometem a formação dos alunos. Contrapõe-se à recente lei proposta pelo senador Cristovam Buarque que estabelece o piso salarial do professor e aumenta seu tempo para atividades extra-sala, alegando falta de recursos para a implementação do projeto no Estado mais rico do país. E contrariando a política do governo Lula, que pretende aumentar os recursos das escolas com maiores dificuldades a fim de diminuir a desigualdade de condições, implanta agora sua política de bonificação às escolas em função do desempenho, o que acentuará ainda mais a discrepância entre as escolas “boas” e as “ruins”.
As escolas “boas” são, claro, aquelas mais centralizadas, que selecionam seus alunos como lhes apraz, rejeitando os demais por falta de vagas, os quais são obrigados a debandar para as escolas “ruins”, isto é, as da periferia, onde os problemas já são bem conhecidos. A Secretaria pretende agora esquecer definitivamente essas escolas e concentrar os recursos de que dispõe nas escolas “boas”. Essa política seria muito bem-vinda se a intenção fosse explicitamente a de criar centros de excelência no seio do ensino público; mas não se o que queremos é uma educação de qualidade para todos.
Agora vejamos como esses recursos serão distribuídos na prática, e o que as escolas farão para não perdê-los. As escolas serão avaliadas pelo Idesp, que varia de 0 a 10 e é calculado pelo desempenho dos alunos no Saresp, numa escala de 0 a 3 pontos, e pelo fluxo (taxa de aprovação) de alunos, de 0 a 1 ponto. Atualmente, as taxas de reprovação são ínfimas em qualquer escola da rede pública. O que ocorre em muitas delas, especialmente nas periféricas, é o expressivo número de alunos desistentes, que, nas planilhas da dona Maria Helena Guimarães de Castro, são contabilizados como alunos retidos. Evidentemente, além da já grande pressão para não reprovar nenhum aluno, as escolas farão todo o possível agora para, pelo menos, emitir declarações de transferência aos alunos desistentes, fazendo com que não sejam mais computados como taxa de retenção. Isso não será muito difícil, já que não se exige mais uma declaração de vaga de outro estabelecimento para a emissão da transferência. É bem provável que passem a ocorrer até fraudes nesse sentido, já que tudo o que a Unidade Escolar necessita é da assinatura de um responsável, e visto que não é difícil falsificar o rabisco de um semi-analfabeto.
Quanto ao primeiro critério, é preciso observar que o péssimo desempenho de muitas escolas não se dá apenas porque os alunos não conseguem responder às questões do Saresp, mas também porque não têm o menor interesse em fazê-lo. A grande maioria dos alunos simplesmente não comparece à escola nos dias de avaliação, e cansei de ver alunos que, embora tenham comparecido, tiveram preguiça de ler os enunciados e preferiram apenas “chutar” as respostas para terminar mais rápido e ir embora. E agora, o bônus do professor dependerá desses alunos que pouco se importam com sua escola. Estamos em boas mãos.
Seja como for, a Secretária talvez tenha razão em afirmar que as metas estabelecidas para cada escola em função do seu desempenho não são inatingíveis. Se ela estiver certa, é bem provável que as escolas possam atingi-las apenas fazendo com que sua clientela compareça em peso ao Saresp. Isso já elevaria bastante o desempenho geral da Unidade Escolar, sem que a qualidade do ensino tenha de aumentar em nada. Bastaria pressionar os alunos, dizendo, por exemplo, que se não comparecerem não receberão seus certificados ao final do ano (no caso dos formandos do Ensino Médio). É, pelo menos num primeiro momento, a saída mais óbvia para quem tem de se submeter a um sistema que privilegia a maquiagem de dados estatísticos. E sejam todos bem-vindos ao País das Maravilhas!


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