Os leitores desse blog haverão de perdoar-nos, mas o termo chulo do título é o que melhor expressa a censura, por parte do Conselho Nacional de Educação, do livro "As Caçadas de Pedrinho", de Monteiro Lobato. A justificativa do Conselho? O livro seria "racista" por afirmar, em certa altura, que "Tia Anastácia, esquecida dos seus numerosos reumatismos, trepou, que nem uma macaca de carvão, pelo mastro de São Pedro acima, com tal agilidade que parecia nunca ter feito outra coisa na vida senão trepar em mastros".
Será então que o nosso maior autor de literatura infantil era racista? Essa ideia é absurda para quem quer que tenha lido seu "Negrinha", livro que aliás denuncia o racismo e a discriminação. Como disse a professora Maria Helena de Moura Neves, com quem temos a honra de estudar esse semestre, a censura só pode ter partido de pessoas sem trânsito na literatura. Realmente, se o caso fosse de proibir que nossos alunos tivessem qualquer contato com textos discriminatórios e até mesmo violentos, a primeira atitude do CNE deveria ser proibir a leitura da Bíblia. Aliás, nem sei como não pensaram em argumentar, a favor da probição do livro, que ele faz "apologia" da caça à onça-pintada, expressamente proibida pelo IBAMA...
Para complicar um pouco o imbróglio, o livro já foi distribuído pelo MEC às escolas do Ensino Fundamental por meio do Programa Nacional de Biblioteca na Escola (PNBE). Como o Ministro não acatou o parecer do CNE, este se saiu com a maviosa solução de introduzir uma nota explicativa no fragmento citado. Mas, afinal, vão explicar o quê? Que Lobato era racista? Ou que a expressão "macaca de carvão" era aceita com naturalidade na época em que foi escrita, e hoje não mais, porque teríamos deixado de ser racistas? Não é à toa que alguém se lembrou de citar Os Lusíadas, de Camões, que em 1572 saiu com uma nota explicativa do Santo Ofício, assinada por um tal frei Bertholameu Ferreira, a qual esclarecia que o aparecimento de deuses pagãos no poema se justifica por se tratar de "poesia e fingimento", e que isso não depunha contra "a verdade de nossa santa fé, que todos os deuses dos gentios são demônios"! Nota bastante esclarecedora, sem dúvida...
Em nota técnica citada pelo CNE, a Secretaria de Alfabetização e Diversidade do MEC diz que a obra só deverá ser levada para a sala de aula "quando o professor tiver a compreensão dos processos históricos que geram o racismo no Brasil". Pois é aí que a porca torce o rabo. Se os próprios mentores do CNE demonstram não terem o mínimo trânsito na literatura, que dirá os pobres professores que não têm tempo nem de abrir um livro. Acrescente-se a isso que 47% dos professores da Educação Básica não tem formação adequada no Brasil, segundo o Conselho de Acompanhamento e Controle Social do Fundeb, e que o próprio Ministério da Educação admite que faltam nada menos que 710 mil professores no país (dos quais 475 mil só no Ensino Fundamental). A carreira, se é que de carreira se possa chamar, deixou de ser atraente, e hoje são raros os jovens que ainda sonham ser professores. O problema, portanto, como já vimos afirmando há bastante tempo, não está no material utilizado, mas nas péssimas condições da carreira docente, que não atrai os melhores profissionais nem estimula os demais à formação continuada.
Ainda aguardamos o desfecho dessa história, mas uma conclusão prévia já se impõe, aliás proveniente do próprio livro em debate, e que vale para todos os censores: "Não é à toa que os macacos se parecem tanto com os homens. Só dizem bobagens".
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