por José Antonio Lages*
Escola Otoniel Mota ocupada. Foto: Mastrângelo Reino
A política de reorganização das escolas estaduais empreendida pelo
governador Geraldo Alckmin acaba de sofrer uma fragorosa derrota. O governador
e seu partido, acostumados à política de mando, colocavam em prática mais uma
vez decisões sem consulta pública prévia, principalmente aos diretamente
atingidos por elas. Muito simples seria convocar pais, professores, alunos e
funcionários para atender a um dos princípios básicos da Constituição: a
participação democrática. Mas não. A reorganização foi apresentada com força de
lei, os apelos de discussão desdenhados, os argumentos dos próprios alunos e
suas famílias, dos educadores, professores e especialistas em educação foram
desqualificados.
Devemos sempre fazer a leitura pedagógica das decisões públicas. Estas
nos ensinam a participar, argumentar e aceitar a solução alcançada, porque nos
reconhecemos no processo que a construiu. O que vemos hoje na grande maioria
dos políticos é uma mentalidade de síndico profissional. O que acaba reduzindo
o processo político a uma cascata de operações jurídicas, administrativas e
policiais. Obviamente, a lição passada por estes senhores é a pior possível.
Eles querem nos ensinar, sem mais o conseguirem, que o poder se exerce a partir
da autoridade e na ausência de vergonha. Querem que aprendamos assim, como nos
informa Christian Dunker, em um artigo seu recente, que “diante de
qualquer problema social, basta culpar a educação, mas, na hora de pagar pelo
serviço, basta chamar a polícia”.
Vale a pena aqui destrinchar a visão que predomina nesta reorganização
proposta pelo governo paulista. O objetivo fundamental nunca foi mais qualidade
de ensino ou elaboração de meios que facilitem o aprendizado, como foi
fartamente alegado. Pelo contrário, a reorganização pretendida acarreta
indagações e incertezas sobre o funcionamento da instituição escolar.
Para fornecer elementos para uma análise dessa realidade, Michel
Foucault se apresenta como principal referência teórica, possibilitando a
compreensão das relações presentes no cotidiano escolar. Nas relações de poder
contidas nesse ambiente, sobre as quais se alicerça a política de educação do
Estado, o “poder disciplinar” demonstra toda a sua eficácia. Os mecanismos
componentes desse poder são os responsáveis pela afirmação de um sistema
punitivo que move toda a engrenagem educacional. A mesma linha de disciplina
presente nos hospitais e prisões para Foucault. Aquele sistema punitivo se
manifestou com toda a crueza com as intimidações, ameaças, tentativas de
criminalização do movimento, repressão policial e até prisões de manifestantes.
A reação dos alunos não poderia ter sido mais exemplar. Contra a
reorganização geral das escolas levada a cabo por gestores profissionais, a
chamada geral para que os alunos tomassem posse efetiva de um equipamento que
pertence a eles por direito foi um gesto pleno de autoridade. Estes alunos
estão nos ensinando que é preciso tornar a escola o centro do debate. Eles
estão nos indicando o caminho de retorno ao espaço público e da apropriação de
nossos bens simbólicos. A educação pode desenvolver a lucidez e a descentração,
fazer duvidar, fazer refletir, perturbar nossa tranquilidade. A escola é o
lugar privilegiado para esta confrontação, como dizia o grande
pensador protestante francês Paul Ricoeur.
São de amplo conhecimento os verdadeiros objetivos da reorganização
escolar do Sr. Alckmin: separação de ciclos, enxugamento das turmas
superlotando as salas de aula e desempregando professores, redução de despesas,
preparação de uma estrutura para dar sequência à municipalização “branca” e
mesmo à privatização do ensino público, como o mesmo partido do governador já
está fazendo em Goiás. Sabemos como se criam métricas para resultados
“maquiados”, porém tivemos que esperar nossos alunos tomarem o lugar de professores
para sairmos desse saber sem consequência.
A partir da experiência e dos problemas concretos vivenciados, com a
contribuição ou não de seus professores, com o apoio de outros movimentos
sociais, por tudo isso nossos alunos nos deram uma verdadeira aula de
cidadania! Esperamos que daqui a pouco todas as escolas deste país, privadas e
públicas, possam ser realmente ocupadas, não por “alunos-números ou carne
intelectual processada, mas por gente capaz de escrever os caminhos de seu
próprio saber”, como disse Christian Dunker no mesmo artigo de que já falamos.
Entenda:
A Ocupação Otoniel Mota, em Ribeirão, termina nesta segunda (14/12), aos 14 dias, depois de conseguir garantias de que o governo estadual não efetivará mudanças no próximo ano letivo. Leia carta dos estudantes:
"Nós, alunos que ocupamos o Otoniel Mota em luta pelo fim da
reorganização escolar e por nítidas melhorias na educação do Estado, vimos
publicamente e por páginas particulares para maior visibilidade, informar que a
nossa ocupação está encerrada a partir do dia 14/12/2015. Informamos também
que, entretanto, não estamos distantes da luta educacional, ao contrário, nossa
desocupação ocorre em virtude da preocupação com demais aspectos da vida
escolar em questão. Quanto ao horário de funcionamento da unidade, caberá à
gestão escolar comunicar à comunidade.
Formamos um grupo consciente e convicto. Continuaremos mobilizados em
busca de objetivos para a melhoria da educação."
José Antonio Lages é graduado em Filosofia, História e
Pedagogia, mestre em História e doutorando em Ciências da Religião. Professor da
rede municipal e pesquisador da história de Ribeirã Preto, fez parte do
Conselho Municipal de Cultura e do Conselho Municipal de Patrimônio.
Fonte: Blog do Galeno
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