Por Fernando de Araujo Penna
Clique
para aderir à carta "Em defesa da liberdade de expressão em sala de
aula"
Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e
da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade,
visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da
cidadania e sua qualificação para o trabalho. (Constituição Federal de 1988)
A escola democrática encontra-se sob múltiplos ataques. Um
dos mais graves é o Programa Escola Sem Partido, que o PL 867/2015 pretende
incluir entre a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Este projeto
sintetiza as propostas do movimento homônimo, que defende que professores não
são educadores, mas apenas instrutores que devem limitar-se a transmitir a
“matéria objeto da disciplina” sem discutir valores e a realidade do aluno.
Ainda segundo eles, a escola estaria usurpando uma atribuição da família. Nossa
Constituição Federal é inequívoca ao afirmar que a educação é dever do Estado e
da família com a colaboração da sociedade – uma tarefa compartilhada, portanto,
e não exclusiva. O mesmo movimento insiste que “formar cidadãos” é “uma
expressão que na prática se traduz, como todos sabem, por fazer a cabeça dos
alunos” e que os professores que elegem esta tarefa como uma das principais
missões da escola estão dando uma prova da “doutrinação política e ideológica
em sala de aula”. Nossa constituição é igualmente cristalina ao estabelecer os
objetivos da educação e o “preparo para o exercício da cidadania” é um deles.
Sendo assim, quando um professor afirma que uma das principais missões da
escola é formar para a cidadania, ele está apenas reafirmando elementos da
nossa constituição. Professores ensinam a matéria objeto da disciplina visando
alcançar os três objetivos expostos na nossa constituição e não apenas a
qualificação para o trabalho. Mas como visar o pleno desenvolvimento da pessoa
sem discutir valores? Como preparar para o exercício da cidadania sem dialogar
com a realidade do aluno? Por isso somos contra o Programa Escola Sem Partido.
Os criadores do Programa Escola Sem Partido insistem que o
projeto de lei apenas garante direitos constitucionais já estabelecidos e sua única
inovação seria a proposta da afixação de um cartaz com os “deveres do
professor” em todas as salas de aula das escolas brasileiras. Esta afirmativa
apresenta dois gravíssimos equívocos. Primeiro, o cartaz deveria ser intitulado
“proibições do professor”, porque é constituído por uma lista de atividades que
o professor não deveria realizar em sala de aula. Elas são descritas de maneira
tendenciosa, de forma a desqualificar atividades docentes cotidianas, e
associando-as a práticas realmente condenáveis. Um exemplo: “O Professor não
fará propaganda político-partidária em sala de aula nem incitará seus alunos a
participar de manifestações, atos públicos e passeatas”. O professor realmente
não deve fazer propaganda político-partidária em sala de aula, o que não
equivale a dizer que não é indicado que se discuta questões políticas
contemporâneas em sala de aula – pelo contrário! O professor não deve se furtar
a discutir as temáticas pertinentes à interpretação da realidade na qual os
alunos estão inseridos. A segunda parte da proibição é formulada de maneira
especialmente tendenciosa, de maneira a desqualificar uma prática salutar para
a educação. “O professor não (…) incitará seus alunos a participar de
manifestações, atos públicos e passeatas”. O professor deve sim estimular seus
alunos a se manifestarem de todas as maneiras democráticas no espaço público!
Participar de manifestações democráticas é sinal de que o aluno se sente apto a
mudar o mundo no qual ele está inserido – uma capacidade essencial na sua preparação
para o exercício de uma cidadania ativa.
O PL 867/2015, assim como todas as suas variações estaduais
e municipais, não se limita a garantir direitos constitucionais já
estabelecidos, ele tenta estabelecer uma interpretação equivocada da nossa constituição,
amputando intencionalmente dispositivos constitucionais com base em uma
concepção absolutamente deturpada do que seria o processo de escolarização. O
projeto de lei em questão se arvora a definir os princípios que devem orientar
a educação nacional, omitindo o fato de que estes já são definidos na nossa
Constituição Federal e reafirmados na Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional. O que percebemos ao comparar os princípios propostos pelo PL com
aqueles estabelecidos pela constituição é que o projeto amputa maliciosamente
os dispositivos constitucionais: “pluralismo de ideias e de concepções
pedagógicas” (Art. 206, III) reduz-se a “pluralismo de ideias no ambiente
acadêmico” (Art. 2, II) e “liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar
o pensamento, a arte e o saber” (Art. 206, II) reduz-se a “liberdade de
aprender, como projeção específica, no campo da educação, da liberdade de
consciência” (Art. 2, III). Podemos perceber que os elementos excluídos são
todos relacionados à figura do professor: o pluralismo de concepções
pedagógicas e a liberdade de ensinar. No entanto, o projeto não para por aí,
chega ao extremo de afirmar, na sua justificação, que “não existe liberdade de
expressão no exercício estrito da atividade docente”.
Nos opomos veementemente a esta tentativa de excluir todos
dispositivos constitucionais que garantem as atribuições do professor em sala
de aula e, mais do que isso, retirar dos docentes seu direito constitucional à
liberdade de expressão no exercício da sua atividade profissional. Nenhum
cidadão brasileiro em qualquer situação deve ser privado da sua liberdade de
expressão! Todos devem, em todos os momentos, respeitar os limites impostos
pelas leis à sua liberdade de fala sem nunca abrir mão dela. O professor obviamente
tem um programa a seguir, mas como ele fará isso – recorrendo a qualquer
concepção pedagógica válida e relacionando a matéria com as temáticas que
julgar pertinentes – depende apenas dos seus saberes profissionais. Devemos
confiar nos saberes profissionais docentes, formados em cursos reconhecidos
pelo MEC para desempenhar sua função de professor e educador. Em defesa à
liberdade de expressão dos professores no exercício da sua atividade
profissional, dizemos não ao Programa Escola Sem Partido!
Prof. Dr. Fernando de Araujo Penna (Faculdade de Educação da
Universidade Federal Fluminense)
Movimento Professores contra o Escola Sem Partido
Nenhum comentário:
Postar um comentário