O Estado de São Paulo, atualmente sob o comando do
governador Geraldo Alckmin (PSDB) e há 21 anos nas mãos dos tucanos, calcula
como gasto mínimo constitucional em educação valores que, na prática, não
chegam às atividades educacionais.
Em uma manobra alvo de questionamentos, o governo tem
colocado nessa conta o pagamento de aposentados. Essa operação representou, só
nos últimos três anos, cerca de R$ 13 bilhões –perto de metade do orçamento
anual da Secretaria de Educação.
Só no ano passado, R$ 5,1 bilhões declarados como
investimentos em educação são, na prática, repasses para aposentadorias.
A manobra entrou na mira do Ministério Público de Contas,
órgão ligado ao TCE (Tribunal de Contas do Estado). O próprio TCE deve apontar
correções na análise de contas do governador de 2016 por causa desse
procedimento.
Em outra frente, o procurador-geral da República, Rodrigo
Janot, ingressou na segunda-feira (5) com ação no STF (Supremo Tribunal
Federal) contra uma lei paulista, de 2007, que permite a inclusão de inativos
no cálculo de gasto mínimo com educação.
A Constituição paulista exige que 30% das receitas sejam
investidos na manutenção e desenvolvimento do ensino. Só levando em conta as
aposentadorias, porém, é que o governo alcança o índice.
O governo Alckmin diz que gastou 31% das receitas com
educação em 2016. O percentual cai para 25% ao descontar o gasto com
aposentados.
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Entenda a manobra
O que diz a lei
A Constituição paulista exige que ao menos 30% das receitas do Estado sejam aplicadas em educação
A Constituição paulista exige que ao menos 30% das receitas do Estado sejam aplicadas em educação
Medida
Para alcançar os 30%, o governo inclui aposentadorias ligadas à educação como "manutenção e desenvolvimento" do setor
Para alcançar os 30%, o governo inclui aposentadorias ligadas à educação como "manutenção e desenvolvimento" do setor
O que diz o governo
Uma outra lei permite a medida, e o TCE tem aprovado as contas. Porém o Ministério Público de Contas questiona a manobra e a PGR, a lei no STF
Uma outra lei permite a medida, e o TCE tem aprovado as contas. Porém o Ministério Público de Contas questiona a manobra e a PGR, a lei no STF
Gastos considerados como educação pelo governo
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GASTO DIRETO
Ações de assistência estudantil e até merenda, por exemplo,
não entram na conta porque não têm relação direta com o ensino. O governo pode
incluir os recursos do ensino superior, mas a etapa definida como prioridade do
Estado é o ensino médio.
Ao excluir o orçamento das universidades estaduais, a
educação básica recebe 19% da receita total: R$ 21 bilhões.
A Constituição federal fala em reservar 25% das receitas
para a educação. Para a procuradora Elida Graziane, do MP de Contas, Alckmin
deve atender ao texto paulista –que prevê meta de 30%.
"Com as dificuldades na educação básica, o Estado não
poderia se dar ao luxo de não aplicar o que se exige."
O Estado registra 223 mil jovens de 15 a 17 anos fora da
escola (12% do total dessa faixa etária). Os indicadores de qualidade, tanto Ideb
(federal) quanto Idesp (estadual), têm resultados nos anos finais do
fundamental e no ensino médio estagnados em níveis baixos. Só nos anos iniciais
há ritmo de melhora.
A rede de SP tem só 6% dos alunos de ensino médio em tempo
integral. O Plano Nacional de Educação estipula 25% até 2024. Os docentes da
rede não recebem reajuste do piso salarial desde 2014.
Membro do Conselho Nacional de Educação, Cesar Callegari
presidiu CPI na Assembleia entre 1999 e 2000 cujo relatório já apontava a
distorção. "Mas o governo sempre manteve a manobra, com o respaldo do
TCE."
Priscila Cruz, do Todos pela Educação, diz que, pelo
potencial econômico de São Paulo, os resultados deveriam ser melhores. "O
fato de um Estado fazer isso há tantos anos mostra sua real falta de compromisso
com a educação."
Os R$ 5,1 bilhões declarados em educação em 2016, mas não
investidos na área, seriam suficientes para viabilizar 27 mil turmas.
Financiaria ainda o transporte escolar na rede por cinco anos.
Em defesa da medida, o governo diz que suas contas têm sido
aprovadas pelo TCE. O conselheiro Roque Citadini, relator das contas de 2016,
adiantou que o tribunal não deve permitir mais isso.
"Os gastos com inativos não devem ser computados como
educação, o Estado deve retira-lo da conta", diz Citadini. O relatório do
TCE vai sugerir uma ressalva nas contas, indicando correção no próximo
orçamento, de 2018.
O conselheiro exigirá o atendimento ao piso federal, de 25%.
Segundo ele, a baixa transparência nas contas dificulta concluir se ao menos os
25% têm sido respeitados.
"LEGAL E TRANSPARENTE"
Para o governo Geraldo Alckmin (PSDB), considerar gastos com
inativos no cálculo do investimento mínimo em educação é uma medida "legal
e transparente".
A gestão defende que se respalda em lei de 2007 e que
"sempre teve o aval do Tribunal de Contas do Estado".
Em 2007, o governo incluiu na lei que criou a SPPREV,
entidade gestora da previdência dos servidores, um artigo que autoriza a
manobra.
Segundo o governo, os repasses da Secretaria de Estado de
Educação para a SPPREV têm "o objetivo de honrar o pagamento da
aposentadoria aos inativos".
A proporção dos gastos de educação transferidos para
pensionistas tem aumentado. Representava 3,7% do total de receitas em 2014. No
ano passado, esse percentual foi de 4,6%. São Paulo registra 183 mil inativos
da educação.
O Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot, questionou o
dispositivo da lei paulista de 2007 em ação no STF (Supremo Tribunal Federal)
nesta semana. Na avaliação da procuradoria, esse trecho da lei é
inconstitucional.
A Procuradoria-Geral do Estado de São Paulo diz não ter tido
acesso formal à ação e, por isso, não a comentaria.
A pasta de Planejamento argumenta que os gastos totais com a
"função" Educação chegaram a R$ 41,3 bilhões em 2016. Esses valores
envolvem outros gastos não identificados apenas como "manutenção e
desenvolvimento" do ensino e que também não fazem necessariamente parte do
orçamento da secretaria de Educação.
O orçamento executado pela secretaria de Educação em 2016
foi de R$ 28,7 bilhões. Representa um recuo de 3% com relação a 2015
(considerando valores atualizados pela inflação). Houve recuo de 6,5% da
receita total do Estado de São Paulo no período.
A pasta afirma que os resultados do Ideb (Índice de
Desenvolvimento da Educação Básica) avançaram em 2015 -na prática, com exceção
dos anos iniciais, o comportamento é de estagnação nos anos finais do
fundamental e no ensino médio. Ressaltou que alfabetiza 98,7% das crianças até o
2º ano.
De acordo com a secretaria, a pasta "trabalha
diariamente para cumprir o que prevê o Plano Nacional e Estadual de
Educação".
A ampliação das escolas de tempo integral é constante,
afirma a pasta, atingindo 544 escolas. A rede estadual tem 5,3 mil unidades.
Sobre os jovens de 15 a 17 anos fora da escola, ela afirma
que tem 600 mil vagas no sistema que podem ser ocupadas. "São Paulo mantém
as menores taxas de abandono escolar do país", diz a secretaria.
OUTROS ESTADOS
A inclusão de aposentados no gasto mínimo com educação já
foi questionada em outros Estados do país, como Minas Gerais, Paraíba, Espírito
Santo e Rio Grande do Norte -seja por tribunais de contas ou pelo Ministério
Público.
Interpretações da legislação dão margem à manobra. A LDB
(Lei de Diretrizes e Bases da Educação), de 1996, descreve o que é
"manutenção e desenvolvimento" da educação. Não inclui os
aposentados, embora seja omissa em citar a exclusão.
Manuais de prestação de contas do MEC são claros em excluir
inativos. Atos do Conselho Estadual de São Paulo vão na mesma linha.
"Existem divergências e interpretações possíveis. Só o
STF tem competência para dar a orientação definitiva", diz Carlos Ari
Sunfeld, professor de Direito Constitucional da FGV-SP.
João Batista de Oliveira, do Instituto Alfa e Beto, afirma
que o debate sobre financiamento precisa se intensificar. "Tudo que amarra
recurso tende a ser ineficiente. O Brasil tem de discutir vinculações e levar
em conta outras variáveis, como a demografia [quantidade de crianças vem diminuindo]",
defende.
Fonte: Folha de São Paulo
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